A avaliação do julgamento da ADI 4439/2010 no Supremo Tribunal Federal depende do ponto de vista em que se coloca o observador. O Observatório da Laicidade na Educação, o OLE´, tem seu ponto de vista bem claro, e não se colocou apenas hoje.
Na audiência pública promovida pelo STF em 2015, o OLE´ e o CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade disseram ao ministro relator, Luís Roberto Barroso, através de seu representante, que entendemos que a existência da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas é um retrocesso, quando a Constituição de 1988 é comparada com a de 1891. Que era preciso garantir aos alunos das escolas públicas de Ensino Fundamental o direito à liberdade religiosa e o de não professarem nenhuma religião, com o fim do proselitismo religioso ostensivo ou dissimulado nas escolas públicas. Se a Constituição determina sua oferta como disciplina, na forma facultativa, oferecemos, contudo, ao ministro, um panorama da situação objetiva do ensino religioso nas escolas públicas, a partir do campo educacional. E pudemos lhe dizer, apoiados em dados, que, por exemplo, o ensino religioso nas escolas públicas, apesar de facultativo na letra da lei, tem sido tratado, na prática: 70% das escolas públicas de Ensino Fundamental ministram aulas dessa disciplina, dentre as quais 54% exiem presença obrigatória; 75% destas não oferecem atividades para os alunos que não querem assistir a essas aulas. E o pior, é que ela tem sido usada para fins de proselitismo religioso.
Na ocasião da audiência pública, foi lançado um manifesto firmado por várias entidades, inclusive o OLE´ e o CEDES. Sequer o que as entidades signatárias do Manifesto, entre as quais também o OLÉ, que acentuaram a necessidade de o STF estabelecer limites e parâmetros ao ensino religioso, pois elas sabiam que não interessava apenas a declaração do ensino religioso como não confessional, com pretendia a ADI 4439.
Foram os limites defendidos pelo manifesto: (a) o impedimento de financiamento estatal a qualquer das formas confessionais, incluindo as interconfessionais, de ensino religioso nas escolas públicas e que se impedisse qualquer modalidade de proselitismo religioso nas dependências das escolas públicas, (b) o impedimento de que os professores de ensino religioso fossem representantes de religiões e o impedimento da exigência de habilitação específica em ciências da religião ou ensino religioso, já que os conteúdos relacionados ao ensino religioso não confessional, como filosofia, história, geografia e ciências sociais, já poderiam ser ministrados e comporiam a formação básica dos professores das áreas de ciências humanas, (c) o impedimento que o ensino religioso nas escolas públicas fosse considerado como alternativa a uma educação ética laica de valores cívicos, cidadania, liberdades públicas e direitos humanos e que se declare a inconstitucionalidade da previsão legal que o classifica como “parte integrante da formação básica do cidadão”, ressaltando a importância da implementação das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012, (d) o impedimento da contabilizaçãodo ensino religioso na carga-horária mínima nacional para a educação básica, (e) o impedimento da matrícula automática no ensino religioso, requerendo-se dos pais ou responsáveis que manifestassem expressamente a intenção de matrícula, (f) o impedimento da oferta transversal no ensino fundamental ou sua oferta durante os componentes obrigatórios e universais do currículo escolar e, finalmente, (g) que se demandasse ao Conselho Nacional de Educação a elaboração de normativa que previsse de forma detalhada limites negativos à relação entre a religião e a educação pública, entre eles, a retirada de símbolos religiosos e a proibição de orações religiosas como parte da rotina escolar das escolas públicas, e que também fosse demandado ao CNE a elaboração de protocolo nacional de registro e de procedimentos relativos ao enfrentamento de casos de intolerância religiosa, racismo, homofobia/lesbofobia/transfobia, sexismo e demais discriminações ocorridas em instituições públicas e privadas de ensino.
Esta lista de impedimentos reivindicados pelo manifesto tampouco sensibilizou algum dos ministros a defender incisivamente algum deles, sequer seu relator. Ele incorporou apenas a menção a que os professores não fossem representantes de instituições religiosas. Mais do que omissão, ele reforçou o ditame da LDB de que o ensino religioso seja parte integrante da formação do cidadão, um absurdo político e pedagógico.
Portanto, para os defensores da laicidade na educação pública não haveria motivos para maior expectativa diante da votação da ADI 4439 no STF, depois que foi proferido o voto do ministro relator Luiz Roberto Barroso.
Enfim, o que o STF fez foi deixar tudo como está ou, pior do que isso, permitir que se piore o que já está péssimo.
Por outro lado, é lamentável que a maioria dos ministros – em vez de acompanhar o tímido voto do relator e de aprofundar, em seus votos, a garantia da laicidade em nosso país, por meio de algumas das medidas sugeridas acima – tenham preferido acompanhar a divergência, defendendo a improcedência da ADI 4439 e enterrando o sonho de ativistas dos Direitos Humanos que esperavam um pronunciamento firme e contundente por parte do STF no sentido da garantia do Estado Laico e de uma educação laica em nosso país.
Afinal, a maioria deles adotou a ideia de que ensino religioso é ensino de religião, e não ensino de História, Sociologia ou Filosofia das Religiões, e quis assegurar a manutenção deste em seu modelo confessional nas escolas públicas, mesmo diante de todos os dados que os Amici Curiae favoráveis à procedência do pedido da PGR levaram para aquele julgamento em seus memoriais e sustentações orais.
Não podemos acreditar que não há saída, pelo contrário, apenas devemos reafirmar que esta saída não é jurídica, mas política, que só poderá ocorrer com a supressão da previsão do ensino religioso nas escolas públicas da Constituição, através de uma PEC ou de uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
Respondendo a pergunta do título: quem ganhou e quem perdeu com o julgamento da ADI 4439 no STF?
Ganharam os defensores da modalidade confessional do ensino religioso nas escolas públicas, como se faz no Rio de Janeiro e na Bahia. Com esse resultado, é de esperar que outros estados caminhem nessa direção, capitaneados pela Igreja Católica, principalmente e algumas Igrejas Evangélicas, secundariamente.
Perderam os grupos de pressão em favor da formação de uma categoria de professores formados em licenciaturas específicas de ensino religioso, um grupo de pressão que surgiria a partir do projeto de lei do deputado Marco Feliciano (evangélico e de direita), aperfeiçoado pelo deputado Pedro Ucsai (católico de esquerda), nº 309/2011.
Os laicos seguirão seu caminho pedagógico e político, principalmente mostrando que a laicidade no ensino público não é sinônimo de um denominador comum entre todas as religiões, o que não passa de uma quimera que encobre o proselitismo!