O Pará é o berço do pentecostalismo brasileiro e também o lugar da maior festa religiosa do país: o Círio de Nazaré. Tal histórico, possivelmente, ajuda a compreender por qual motivo a laicidade é um conceito tão desprovido de sentido nesse estado da Amazônia brasileira. Apenas para que se tenha uma ideia, em pleno século XXI, vigora no estado em questão uma lei da época da ditadura militar que concedeu a santa de Nazaré o título de Patrona do Estado do Pará bem como instituiu em seu parágrafo único: “O Governo do Estado do Pará prestará, anualmente, as honras de Estado à padroeira dos paraenses.” Trata-se da Lei 4.371 de 15 de dezembro de 1971.
Assustadoramente a legislação citada é usada como justificativa para que, durante a época do Círio, a imagem da santa seja recebida com honrarias de chefe de Estado. Além de ser flagrantemente inconstitucional, a referida lei fere de morte o princípio fundamental da laicidade do Estado. É importante salientar que a liberdade religiosa é uma garantia constitucional, o Estado não pode impedir os cidadãos de praticarem sua fé, contudo, de igual modo, o Estado não pode estabelecer relações de dependência ou aliança com nenhuma matriz religiosa. Para além disso, os órgãos públicos, destinados ao atendimento de todos, não podem dar guarida a determinado culto, para isso existem os templos, logo, para dizer o mínimo, é absolutamente anti-ético que órgãos públicos, mantidos com os impostos de toda sociedade, se prestem a abrigar determinada manifestação religiosa.
Porém, tal entendimento é minoritário no Pará. Anos atrás a questão da laicidade foi debatida judicialmente quando a ONG Brasil para Todos ingressou com representação contra o movimento “reverência do Judiciário à Virgem de Nazaré”, uma vez que a imagem da santa é recebida nos Tribunais de Justiça onde, inclusive, ocorrem missas (https://www.conjur.com.br/2007-out-01/ong_reclama_romaria_santa_tribunais). Lamentavelmente a ação da mencionada ONG resultou derrotada.
Para além dos tribunais, a imagem da santa também é recebida dentro da Universidade Federal do Pará. Inclusive, em anos recentes, um ex-reitor da instituição ao receber a imagem da santa declarou: “Temos que fazer da Universidade este espaço onde ciência e fé se complementam e possam ser usadas a favor do homem e não de forma conflitante.” (https://ww2.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=8199).
É no mínimo lamentável que isso ocorra dentro de uma universidade publica, com tal atitude a instituição perde o distanciamento necessário para analisar racionalmente o referido fenômeno religioso. Como se pode notar são inúmeros os desafios para que a laicidade seja efetivamente praticada no estado em questão. Em todo caso, a denúncia dessas situações deve ser um compromisso de todos que entendem a importância do princípio da laicidade do Estado.