Assistimos nos últimos anos agentes religiosos no Congresso Nacional protagonizarem um embate com setores da sociedade civil e com representantes parlamentares para garantir a supressão da referência a gênero e orientação sexual do Plano Nacional de Educação. Após um período de intensa disputa foi efetivada a retirada de tais pontos e o Plano foi sancionado em 2014 sem qualquer referência a estes debates. A exclusão destes dispositivos do texto representou uma vitória política e simbólica para estes agentes religiosos, já que garantiram a aprovação do PNE sem a inclusão destes pontos e ainda adquiriram enorme visibilidade social com os discursos em torno do que chamaram “ideologia de gênero”.
Desde então setores religiosos e conservadores tem se organizado e mobilizado em torno da oposição a qualquer referência a esta categoria, gênero, nos documentos e diretrizes da educação pública, por meio de ação direta nas escolas que impeçam os/as profissionais de educação de abordar a temática e também através de processos jurídicos contra estes docentes. Esta ação orquestrada vem ocorrendo em todo o país e o resultado é que segundo a iniciativa De Olhos nos Planos dez dos quinze estados retirou a expressão de seus planos, nas 27 capitais, a derrota do que chamam de “ideologia de gênero” foi unânime e em 98% dos 3700 municípios que já teriam votado seus planos municipais de educação as referências ao termo gênero também foi retirada.
No município do Rio de Janeiro a conjuntura não é diferente. O Projeto de Lei de PME que está em tramitação na Câmara de Vereadores já sofreu emendas que retiram qualquer menção a gênero no texto do plano. Até mesmo gênero alimentício foi suprimido de uma das metas. As audiências públicas que ocorreram para o debate do plano já demonstravam o quanto é prioritário para estes setores impor esta interdição as discussões sobre gênero e orientação sexual. Grupos religiosos lotaram as galerias levando os dizeres de “gênero não!” e atuaram de forma organizada, orientada por lideranças religiosas e em consonância com os discursos de diversos vereadores.
São múltiplos os fatores a serem considerados para uma avaliação mais densa sobre o que representa esta coalizão política e social formada em torno do veto a presença de debates de gênero nas escolas. E muitos estudos e pesquisas já estão sendo desenvolvidos neste sentido. Nós do OLÉ vemos com muita preocupação este protagonismo religioso na interferência dos conteúdos curriculares, nas ações dos professores e professoras e nas diretrizes educacionais. Acreditamos e defendemos uma educação pública laica, onde questões afetas ao mundo religioso não definem que uma lei seja aprovada ou vetada, nem que alguma política pública seja mudada. Além disso, a ordem política não se pautaria pelos valores religiosos.
Importante dizer também que compreendemos a educação para igualdade entre meninos e meninas como um elemento fundamental da cidadania e para a construção da democracia entre os gêneros. Lidar com as diferenças sem transformá-las em desigualdades é um dos grandes desafios dos educadores e educadoras na atualidade. Assim, pensar a igualdade e democratização do ensino escolar, nada pode ficar alheio ao enfoque das relações de gênero, desde as políticas educacionais, as trajetórias de alunas e alunos, o desenvolvimento de currículos, a análise dos livros didáticos e dos recursos pedagógicos, a formação de professores e professoras e até os temas que dizem respeito à identidade docente.
Professoras (es) têm tido um papel destacado em lutas históricas, das quais temos obtido grandes conquistas. No entanto, ainda é pequeno o trabalho desenvolvido sob a perspectiva de gênero para potencializar a educação como um verdadeiro instrumento de democracia e equidade para o futuro que desejamos. Só assim a escola poderá certamente contribuir para uma maior igualdade entre homens e mulheres no conjunto da sociedade, à medida que caminhar na direção de uma educação não-sexista.
Por tudo isso, nós do OLÉ, mais uma vez reafirmamos a importância da defesa da educação pública laica como um elemento capaz de garantir que todos os temas sejam abordados pela escola, sem censura ou interdição religiosa, contribuindo para um modelo educacional mais democrático. A retirada de gênero e orientação sexual do PME do Rio de Janeiro vai de encontro a esta educação laica que acreditamos e por isso nos somamos à luta de educadores e educadoras pela manutenção das temáticas no plano.
Dia 04 de Abril haverá nova audiência pública sobre o Plano Municipal e no dia 06 de Abril será a votação do mesmo. Nós do OLÉ estaremos presentes na defesa da educação pública laica e plural!