ESPANHA

Em sua monumental obra sobre o catolicismo na Espanha, Payne (2006) afirma que a religião desempenhou na cultura daquele país um papel maior e mais direto do que em qualquer outro país da Europa ocidental. A identidade espanhola forjou-se na luta político-militar contra a dominação árabe, de um modo tal que ela se transfigurou no embate do cristianismo contra o islamismo. Em suma, a “ideologia milenar” espanhola consistiu numa síntese de catolicismo patriótico, reconquista e expansão. Os outros países do ocidente europeu, ao contrário, ficaram protegidos durante toda a Idade Média dos ataques de uma religião diferente e de uma cultura oriental.

Essa amálgama de política e religião foi de grande eficácia na unificação dos reinos da península ibérica (exceto Portugal) sob o domínio dos “reis católicos” Fernando e Isabel, concluída em 1492, assim como na consequente conquista de um imenso império colonial na África, na América e na Ásia. A crise do império marcou, também, a dissolução da solda política-religião, que assumiu, por sua vez, formas mais violentas do que nos outros países da Europa ocidental.

O anticlericalismo antirreligioso surgiu na Espanha na terceira década do século XIX, e passou por ondas de intensificação e redução, mas no início do século XX a Igreja Católica estava solidamente estabelecida no aparelho de Estado e em aliança estreita com as classes dominantes, controlava a educação primária e secundária. Ao mesmo tempo, ocorria uma radicalização da esquerda espanhola, cujo componente mais marcante foi a força do movimento anarquista, no qual o anticlericalismo e o ateísmo assumiram o primeiro plano. Para Payne (2006), os anarquistas eram “apóstolos do racionalismo e de uma nova moral”, de modo que sua insistência nas questões culturais e sociais era muito maior do que de outras correntes da esquerda, como os socialistas e comunistas. Para os anarquistas, a religião – e na Espanha falar de religião era falar de catolicismo – constituía uma barreira tão importante quanto o capitalismo para a instauração de uma sociedade libertária.

A proclamação da Segunda República (1931/39) iniciou a fase mais dramática da história contemporânea da Espanha.1 A estreita ligação da Igreja Católica com o regime monárquico e com as classes economicamente dominantes fazia dela o alvo prioritário do novo regime. Seus protagonistas tinham, entretanto, diversas doses de anticlericalismo e anticatolicismo: menor entre os liberais e maior entre os anarquistas, situando-se os socialistas e comunistas em posição intermediária.

A sequência lógica das hostilidades mútuas reforçaram-se umas às outras. As medidas tomadas pelo governo republicano contra a Igreja Católica geraram reações defensivas dos católicos, que, por sua vez, eram consideradas como ameaça política ao novo regime, levando a novas medidas de contenção, quando não de repressão.

A Constituição de 1931 proclamou a Espanha uma República Democrática de Trabalhadores, que se organizaria em regime de liberdade e justiça. A liberdade de crença e o direito de praticar livremente qualquer religião foram reconhecidos, mas todas as manifestações públicas teriam de ser autorizadas pelo Governo. Os cemitérios foram secularizados, o casamento civil e o divórcio foram regulamentados O Estado espanhol não teria qualquer religião e toda a educação seria laica, nas escolas públicas e nas privadas.

A Concordata com o Vaticano foi anulada, de fato, pela Constituição. Além de separada do Estado, pela primeira vez na história da Espanha, a Igreja Católica foi objeto de numerosas e importantes restrições, em especial as seguintes: fim das dotações orçamentárias para o clero e submissão de todas as organizações religiosas à legislação tributária; proibição de qualquer atividade econômica e educacional; extinção automática de toda ordem religiosa que exigisse a obediência a qualquer autoridade que não fosse a do Estado, o que atingia especialmente aos jesuítas.

Na avaliação de Payne (2006), mais do que a separação entre Estado e Igreja Católica, a Constituição determinou a submissão dela ao Estado, assim como a supressão tendencial da cultura católica. Aliás, expressando o clima dominante no governo, o Presidente da República, Manuel Azaña Diaz declarou que a Espanha deixara de ser católica.

Não foi tranquila a implantação do regime republicano, primeiro por causa da reação das classes economicamente dominantes e da Igreja Católica; segundo, por causa dos conflitos entre as forças políticas que se propunham a sustentá-la, particularmente entre os liberais, os anarquistas, os socialistas e os comunistas. Além da grave crise econômica que se espraiava por todo o mundo, um golpe militar, em 1936, desfechou uma guerra civil que castigou a Espanha até 1939, quando a República sucumbiu diante de um regime autoritário filo-fascista, dirigido pelo general e caudilho Francisco Franco.

Ademais de ser um conflito espanhol, a Guerra Civil foi se internacionalizando pelo apoio que outros países davam a um dos lados, assim como das interdições ao outro. Do lado do governo legal, da República, apenas a União Soviética de Stalin e o México de Cárdenas; do lado dos golpistas, ditos nacionalistas, o Portugal de Salazar, a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler. A Grã-Bretanha defendeu uma neutralidade que, na prática, beneficiava os nacionalistas, porque bloqueava a compra de armas pelo governo republicano; e a França oscilou entre a “neutralidade” britânica e o apoio à República. A Igreja Católica desempenhou um papel estratégico na Guerra Civil, atuando ao lado dos nacionalistas. Nas palavras de um destacado pesquisador desse período:

“Na verdade, não foram os insurgentes que pediram o apoio da Igreja, mas essa que se juntou a eles, de corpo e alma. Logo a aliança entre espada e altar foi recriada. Nesse casamento de conveniência a Igreja Católica ofereceu seus poderosos serviços aos rebeldes militares. A posição da Igreja não era só o resultado da perseguição realizada em outra zona do país, mas também consequência da tentativa de reconquistar sua privilegiada posição, que fora desafiada desde 1931. Como cortesia das autoridades militares, a hierarquia religiosa passou a impor os princípios cristãos com uma combinação de zelo e compulsão que lembravam a Idade Média. Como os nacionalistas não tinham grandes intelectuais, o sacerdócio assumiu esse papel para Franco. Apesar da posição ambígua do Vaticano, a rede católica foi crucial para mobilizar a opinião internacional e, do mesmo modo, para reunir uma grande força social na Espanha – fazendeiros rurais, comerciantes e a classe média religiosa, todos temerosos do espectro comunista. Na ausência de qualquer objetivo que não fosse a tomada do poder, o catolicismo também teve o papel importantíssimo de unificar todos aqueles que aderiram à insurreição.” (Salvadó, p. 166)

Como contrapartida a seu engajamento nessa espécie de cruzada contra os infiéis, a Igreja Católica obteve o quase monopólio da educação escolar, assim como papel proeminente nos serviços assistenciais. Além de completa isenção de impostos, todo o clero voltou a ser sustentado pelo governo. Em suma, houve plena identificação do regime autoritário de Franco com a Igreja Católica, o que o levou a ser qualificado de “nacional-catolicismo”. A monarquia foi formalmente restaurada, mas Franco assumiu a regência, na prática a ditadura, com apoio nas forças armadas, na Igreja Católica e na Falange, organização para-fascista, depois redenominada Movimento. O regime não tinha uma constituição, no sentido jurídico-político do termo, e seu lugar foi preenchido pela série de Leis Fundamentais do Reino.

Uma dessas leis, o Foro dos Espanhóis, de 1945, determinava que a profissão e a prática da religião católica, “que era a do Estado espanhol”, gozaria da proteção oficial. Somente seriam permitidas manifestações públicas católicas. Outras religiões não teriam apoio oficial – ninguém seria molestado se as professasse, mas só em ambientes privados.

Em seguida, são apresentados os principais eventos concernentes à questão da laicidade do Estado, na Espanha, com especial destaque para a educação pública.

1953 – A Concordata firmada pela Espanha com o Vaticano representou o primeiro sucesso na busca de reconhecimento internacional de Franco, que, no pós-guerra, era o único governante aliado de Hitler e de Mussolini no poder em um país da Europa. Negociada por ministros pertencentes à Opus Dei, que passou a ser o partido ideológico hegemônico no governo, a Concordata reconheceu a identidade de princípios morais e filosóficos entre o Estado espanhol e a Igreja Católica, cujo intróito era uma verdadeira profissão de fé: “a religião católica, apostólica, romana segue sendo a única da nação espanhola, e gozará dos direitos e das prerrogativas que lhe correspondem, em conformidade com a Lei divina e o Direito canônico”. A Igreja Católica teve consolidados e ampliados os privilégios políticos e econômicos obtidos ao longo da Guerra Civil, inclusive a manutenção financeira de todo o clero e a isenção da censura literária às suas publicações. Além do apoio político, Franco obteve o poder de indicar os bispos para as dioceses espanholas, os quais seriam nomeados pelo Papa. Uma das cláusulas da Concordata determinava que todas as escolas da Espanha, públicas e privadas, ajustassem o ensino aos “princípios do dogma e da Moral da Igreja Católica”. Mais do que conteúdo de uma disciplina, o catolicismo tornou-se, explicitamente, a referência fundamental de toda a educação. 2

1970 – Inspirada na Concordata entre o Estado espanhol e o Vaticano, a Lei Geral de Educação estabeleceu que uma das finalidades da educação, em todos os níveis e modalidades, era a formação humana integral, inspirada pelo ideal cristão da vida. Essa lei deu início a uma grande reforma, que modernizou o ensino, sob a direção da Opus Dei. O número de alunos do setor público ultrapassou o do setor privado, mas a presença religiosa católica continuou forte naquele, sobretudo no ensino primário e no secundário, mediante a disciplina de religião, obrigatória para todos os alunos.

1975 – Com a morte de Franco iniciou-se da transição política para a democracia. O Pacto de Moncloa (nome do palácio do Presidente do Governo, no qual foi firmado) reuniu os remanescentes do franquismo com as forças políticas de oposição, abrangendo um amplo leque, dos liberais aos comunistas, que definiram os parâmetros para uma transição negociada rumo a um regime político democrático-representativo. A transição durou cerca de dez anos, mas, para alguns, ela é um processo inacabado, como a questão educacional sugere. 3

1978 – Foi promulgada nova Constituição, que instituiu um regime monárquico com organização democrático-parlamentar. A Constituição proíbe explicitamente a discriminação com base em nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social. Garante a liberdade ideológica, religiosa e de culto dos indivíduos e das comunidades. Mais do que isso, garante que ninguém será obrigado a declarar sua ideologia, religião ou crença. A Constituição expressou as relações ambivalentes e instáveis entre Igreja e Estado.  Apesar de dizer que nenhuma religião terá caráter estatal, afirma que “os Poderes Públicos levarão em conta as crenças religiosas da sociedade espanhola e manterão as consequentes relações de cooperação com a Igreja Católica e as outras confissões”. No que diz respeito ao tema deste texto, a Constituição determina que os Poderes Públicos garantam que o “direito dos pais para que seus filhos recebam a formação religiosa e moral esteja de acordo com suas próprias convicções”. Nenhuma palavra sobre a existência de uma disciplina de ensino religioso nas escolas públicas, embora ela possa ser entendida como expressão daquele direito.

1979 – A Concordata com o Vaticano foi revista, no ano seguinte ao da nova Constituição, e determinou o seguinte: nos estabelecimentos de ensino obrigatório (na Espanha até os 16 anos, isto é, o fim da Escola Secundária Obrigatória) haverá o ensino da religião católica, “em condições comparáveis às outras disciplinas fundamentais”, mas reconhece o direito dos alunos de recebê-la ou de recusá-la.4 Atribui à hierarquia eclesiástica o poder de designar professores de religião e indicar o conteúdo e a metodologia. O Estado comprometeu-se a fornecer os recursos econômicos para a manutenção da Igreja Católica, temporariamente, “em vistas dos compromissos jurídicos assumidos no passado”, mas não indefinidamente. A finalidade explícita era a manutenção do clero, não suas atividades assistenciais. Em contrapartida, a Igreja assumiu o compromisso de educar os fiéis para que arcassem com o financiamento da instituição. Literalmente: “A Igreja Católica declara seu propósito de conseguir por si mesma os recursos suficientes para o atendimento de suas necessidades.”

1980 – Com o poder nas mãos da União do Centro Democrático, bloco de partidos conservadores, foi aprovada a Lei Orgânica da Liberdade Religiosa, uma espécie de compensação pelo exagero confessionalista católico da concordata com o Vaticano. Apesar de servir como uma espécie de transição para um regime laico, a lei estabeleceu o privilégio das crenças religiosas diante das não religiosas, além de deixar com o Estado a difícil tarefa de distinguir umas das outras. Criou o Registro de Entidades Religiosas no Ministério da Justiça, que favorecia a Igreja Católica, por seu “enraizamento na sociedade espanhola”. Em consequência, ela se credenciou a receber privilégios, particularmente convênios com o Estado. A decorrência positiva dessa lei foi a possibilidade de dispensa do ensino religioso nas escolas públicas, a partir de requerimento dos pais dos alunos. Mas a quantidade dos pedidos foi muito pequena, por temor de discriminação às crianças e aos jovens.

1982 – Os socialistas conquistaram o poder nesse ano. Apesar de a Concordata prever o fim da “fase orçamentária” das dotações financeiras para Igreja Católica, novos acordos prolongaram essa fase.

1988 – A segunda fase da colaboração financeira concordatária resultou em lei que determinou a destinação de uma percentagem do Imposto de Renda das Pessoas Físicas para fins religiosos e outros, de interesse social, gerando recursos que foram adicionados às dotações orçamentárias para a Igreja Católica.

1990 – Os socialistas empreendem uma grande reforma educacional, com a aprovação da Lei Orgânica de Ordenamento Geral do Sistema Educacional. A tendência laica do PSOE ficou condicionada à Concordata com o Vaticano, pois contrariá-la traria dificuldades políticas difíceis de enfrentar. A religião foi mantida como disciplina facultativa e uma disciplina alternativa foi inserida na escola primária e na secundária, obrigatória para os que não quisessem ter uma formação católica. Previa-se, em normas ministeriais subsequentes, que a religião católica teria 105 horas na Escoa Primária (os alunos que não a quisessem, teriam igual tempo de estudo dirigido); a mesma quantidade na Escola Secundária Obrigatória e 70 horas no Bacharelado. Reativamente, grupos confessionais católicos deram entrada no Tribunal Constitucional de ação contra o estudo dirigido, com a argumentação de que ele discriminava os alunos de religião católica, pois os outros progrediriam mais do que eles nas matérias não religiosas.

1991 – Começaria nesse ano a terceira fase do financiamento da Igreja Católica, previsto pela Concordata, apenas com a transferência da destinação específica do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Mas, as dotações orçamentárias continuaram a ser feitas, independentemente do partido no poder.

1994 – o Ministério da Educação previu o oferecimento de conteúdos alternativos aos alunos que pedissem dispensa da disciplina de religião, mas em termos “equitativos”, isto é, o conhecimento e a apreciação de aspectos determinados da vida social e cultural em sua dimensão histórica ou atual. Na Escola Secundária Obrigatória e no Bacharelado essas atividades, que não seriam avaliadas nem entrariam no histórico escolar do aluno, se chamariam “Sociedade, Cultura e Religião”.

1996 – Com o Partido Popular no poder (1996 a 2004), as medidas no campo educacional foram amplamente favoráveis à Igreja Católica e ao setor privado, em geral. Em 2002, foi aprovada a Lei Orgânica da Qualidade do Ensino, que fez a educação religiosa retornar a todos os níveis de ensino obrigatório, sob aquela denominação ampla – “Sociedade, Cultura e Religião”. A disciplina criada pelos socialistas foi redefinida: ao invés de alternativa à religião, passou a abrangê-la. Ela assumiria duas formas, uma confessional (voluntária) e outra não confessional ou cultural, esta obrigatória para os dispensados daquela. Assim, a educação religiosa teria um lugar no currículo com o mesmo status das demais disciplinas, objeto de avaliação e ministrada por docentes pagos pelo Estado, mas escolhidos pela Igreja Católica. O governo determinaria conteúdos e métodos para a opção não confessional, e as autoridades eclesiásticas fariam o mesmo para a opção confessional.

2004 – Em março desse ano, os socialistas retomaram o poder e suspendem, de imediato, a Lei Orgânica de Qualidade do Ensino, apesar das violentas manifestações dos bispos e dos dirigentes de escolas privadas. Em julho, o Conselho Escolar do Estado aprovou uma moção que denunciava a inconstitucionalidade de pelo menos parte da Concordata entre o Estado espanhol e o Vaticano. Recomendou, também, que a religião fosse excluída dos programas escolares. A moção não foi unânime, encontrando forte oposição de parte dos membros do Conselho. 5

2005 – Em fevereiro desse ano, a reunião plenária do Conselho Escolar do Estado analisou a situação do ensino religioso nas escolas espanholas e recomendou ao governo que ele fosse excluído dos programas e dos horários escolares dos estabelecimentos de ensino públicos e conveniados (centros escolares concertados), para salvaguardar a não confessionalidade ou a laicidade do Estado. O Conselho se dividiu meio a meio, mas o voto de minerva da presidência, nomeada diretamente pelo Ministro da Educação, decidiu a favor da recomendação. Como era o Partido Socialista que detinha o poder e fez a nomeação da presidência do Conselho, a relação foi direta: retirar o ensino religioso do currículo seria um projeto socialista, embora não fosse verdade que a metade dos membros do Conselho fosse adepta desse partido.

2006 – Foi aprovada a Lei Orgânica da Educação (lei no. 2, de 3 de maio de 2006). Ela alterou parcialmente a situação existente. A educação religiosa foi mantida nas escolas públicas, explicitamente em obediência à Concordata com o Vaticano, mas foi considerada como uma questão privada, permanecendo como disciplina exterior aos programas e aos cursos. A disciplina paralela ao ensino religioso foi suprimida, mas uma surgiu nova disciplina, obrigatória para todos os alunos – a Educação para a Cidadania, que asseguraria a educação nos valores morais, tão reclamados pela Igreja Católica. Os bispos não aceitaram essa situação, pois, para eles, a religião faz parte do domínio público, já que o catolicismo é a religião da maioria do povo espanhol. Transferi-la para o domínio privado seria uma desvalorização da religião e uma afronta à Constituição.

Indicados pelas autoridades eclesiásticas (dominantemente católicas), os professores de religião não têm o mesmo status dos demais. Não fazem parte do quadro e ganham menos. Além do mais, eles estão sujeitos ao julgamento de sua conduta pelas autoridades religiosas, que se baseiam na suposição de que a vida pessoal de cada professor tem de estar de acordo com aquilo que ensina, a juízo dessas mesmas autoridades. Em 2005, havia 17.000 professores de religião católica contra 90 evangélicos e 20 islâmicos.

 A crise econômica que atingiu vários países da zona do euro chegou à Espanha, em 2008, de forma mais visível de grande desemprego, especialmente dos jovens. Pouco antes das eleições municipais de 2011, foram intensas e frequentes as manifestações de rua convocadas pelas redes sociais, via internet, de protesto contra as formas existentes de fazer política, inclusive contra os dois maiores partidos existentes, o PSOE, no poder, e o PP, na oposição. Além de protestos gerais contra a corrupção e as mazelas do capitalismo, as plataformas dos diversos grupos de manifestantes pouco tinham em comum, em termos propositivos.

Impossibilitado de lidar com a crise política, o governo do primeiro-ministro José Luís Zapatero antecipou para 2011 as eleições gerais que seriam realizadas no ano seguinte. O resultado eleitoral favoreceu o Partido Popular, que obteve maioria absoluta no parlamento, após o que o rei convidou seu líder, Mariano Rajoy para formar novo governo. Após sete anos de governo de esquerda, a direita retornou ao poder na Espanha, e partiu para implantar seu programa.

No que diz respeito à educação pública, foi aprovada a Lei Orgânica da Qualidade Educacional, a sétima do período pós-Franco. Além de abordar questões altamente sensíveis no país, como o do ensino da língua castelhana em todas as regiões, inclusive nas comunidades autônomas, os currículos sofreram mudanças em atendimento às demandas dos bispos católicos. A disciplina Educação para a Cidadania foi suprimida, conforme eles reivindicavam, mas não conseguiram que Religião fosse feita obrigatória. No lugar daquela foi introduzida Valores culturais e Sociais, na escola primária; e Valores Éticos, na secundária. No entanto, as novas disciplinas têm o mesmo status optativo de Religião, de modo que um aluno pode assistir a esta e a uma delas. A disciplina Religião adquiriu um status que só desfrutara nos tempos do franquismo. Ela será objeto de avaliação, como as demais disciplinas, e as notas nela obtidas entrarão no cômputo dos pretendentes a bolsa de estudos. Essa era uma antiga reivindicação dos bispos espanhóis, que pretendiam que a disciplina fosse inserida no currículo das escolas públicas com o mesmo valor das demais.

Críticas aos textos preliminares sobre a disciplina Valores Éticos, divulgadas por El Observatorio del Laicismo, acessado em 3/2/2014, denunciam o conteúdo voltado para a ordem social mais do que para uma atitude crítica diante do mundo social e político. Os alunos seriam levados a uma atitude de temor para com a ciência e a tecnologia, pela insistência nos perigos da utilização das células tronco, da clonagem de seres vivos, etc. As missões das Forças Armadas e o acatamento das leis ocupariam lugar de destaque no programa da disciplina, de modo que a pretensão dos pedagogos do Partido Popular de combater a temida doutrinação da disciplina Educação para a Cidadania pode acabar numa doutrinação ainda mais ostensiva, só que voltada para a direita. Assim termina a matéria: “ainda que seja uma alternativa a Religião, a disciplina Valores Éticos está fazendo entrar os valores católicos pela porta traseira.”

Agora na oposição, o PSOE radicalizou sua posição a favor da laicidade do Estado. Em reunião realizada no fim de 2013, o partido informou que se empenhará na denúncia dos acordos com a Santa Sé, com a extinção das capelanias militares, com a supressão da disciplina Religião nas escolas públicas e com o fim dos privilégios fiscais da Igreja Católica, inclusive a contribuição dos fieis via imposto de renda. Com isso, o direito religioso não ficaria restringido, mas transferido para o setor privado.

A política regressiva do governo do Partido Popular fez-se sentir no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Um projeto de lei aprovado pelo Conselho de Ministros, mas ainda dependente de aprovação parlamentar, retroage a situação a 30 anos, quando não havia prazo para que o aborto pudesse ser feito legalmente, apenas dependente da vontade da mulher, como em 20 dos 28 países da União Europeia. Se aprovado projeto de lei, o aborto somente poderia ser feito, legalmente, nos casos de estupro, ameaça à saúde da mãe e má formação do feto, este em casos extremos. Os protestos de rua contra esse projeto têm sido intensos e frequentes.

NOTAS

1 A Primeira República correspondeu ao biênio 1873/75 e a Segunda República, ao octênio 1931/39.

2 No mesmo ano da Concordata, a Espanha firmou acordos com os EUA, com base no anti-comunismo, cada vez mais importante no contexto da “guerra fria”. Assim, Roma e Washington deram cobertura diplomática para a ajuda internacional e para os investimentos econômicos, que deslancharam o desenvolvimento da Espanha e culminaram com a admissão do país na ONU, em 1955.

3 O Pacto de Moncloa exerceu um especial fascínio sobre as forças políticas latino-americanas, esperançosas de que tal processo pudesse se repetir na América. Mas, foi no Brasil, que não havia sido colônia da Espanha, que esse processo se desenvolveu de forma mais próxima ao modelo.

4 A Escola Primária de seis anos de duração, destina-se a crianças a partir dos 7 anos. A Escola Secundária Obrigatória, de quatro anos de duração, para jovens de 13 a 16 anos. O Bacharelado, de dois anos de duração, faz parte do Ensino Secundário, mas não é obrigatório.

5 A composição do Conselho Escolar do Estado é a seguinte: professores do ensino público (12 membros), professores do ensino privado (8 membros), pais de alunos (12 membros), alunos (8), pessoal administrativo (4 membros), representantes dos estabelecimentos de ensino (4 membros), representantes dos sindicatos (4 membros), organizações patronais (4 membros), administração pública da educação (8 membros), universidades (4 membros), personalidades distinguidas (9 membros).

REFERÊNCIAS

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Luzon, Antonio; Richmond, Iris e Torres, Mónica, L´enseignement de la religion das les écoles espagnoles: un débat inachevé”, Education Comparée,  (Louvain-La-Neuve) vol. 61, 2007, tome 2.

Contreras Mazarío, José Maria e Celador Angón, Oscar, “Estatuto de laicidad y acuerdos com la Santa Sede: dos cuestiones a debate”, Fundación Alternativas, Madrid, 2005 – texto baixado 20/01/2009 de 

http://www.falternativas.org/laboratorio/documentos/documentos-de-trabajo/estatuto-de-laicidad-y-acuerdos-con-la-santa-sede-dos-cuestiones-a-debate

Lema Thomé, Margarita, “La enseñanza de la religión católica en Espana”, Fundación Alternativas/Madrid, 2005 – texto baixado em 20/01/2009 de

http://www.falternativas.org/estudios-de-progreso/documentos/documentos-de-trabajo/la-ensenanza-de-la-religion-catolica-en-espana


Payne, Stanley G., El catolicismo español, Barcelona, Editorial Planeta, 2006.

Salvadó, Francisco J. Romero, A guerra civil espanhola, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2008.

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