MUDARIA O NATAL OU MUDEI EU?

Leia abaixo a interessante crônica sobre o Natal que recebemos de Ludovico Merlino, frequentador de nossa página, especialmente para o OLÉ – Observatório da Laicidade na Educação: 

MUDARIA O NATAL OU MUDEI EU?

 Ludovico Merlino

Com essa pergunta, Machado de Assis concluiu seu “Soneto de Natal”, publicado em 1901. Um homem adulto tenta escrever um poema sobre a data religiosa cristã diante do presépio, de modo a lembrar as sensações da infância. Não consegue, e o soneto termina com essa melancólica indagação.

Vou mudar o ponto de vista de Machado e transpor essa questão para a celebração social do Natal. Como foi que ela começou?

Começou muito antes do Cristianismo. Os povos germânicos adoravam um pinheiro sagrado. Na época do solstício de inverno, cortavam pequenos pinheiros e levavam para casa, onde eram enfeitados. Presentes para as crianças eram colocados junto deles. Consta que um monge cristão, incapaz de convencer os germânicos a abandonarem esse culto pagão, redefiniu simbolicamente a árvore, associando a forma de sua copa à Santíssima Trindade. A dupla árvore de Natal e presentes para as crianças tornou-se presença comum na Europa e daí para o mundo todo, inclusive os adornos de flocos de neve, alegremente incorporados nos países tropicais.

Os romanos também festejavam o solstício de inverno, o dia o dia mais curto do ano, quando parecia que o sol ira morrar. Mas não, a partir desse dia, o astro, voltava ao céu cada dia mais longamente. Ele tinha ganho a parada – solis invictus,  O Cristianismo incorporou essa festa como o da nascimento de Jesus – a mudança do dia 21 dezembro para 25 tem a ver com as mudanças de calendários, do juliano (de Júlio César) para o gregoriano (do papa Gregório, no século XVI).

Já a figura do Papai Noel teve um percurso mais longo. Talvez sua origem seja ainda mais remota, mas é certo que o arcebispo Nicolau, de Mira, na Turquia do século IV, faz parte dessa trajetória. O bispo era caridoso, ajudava a quem precisasse com presentes, anonimamente. Depois de morto foi santificado, chamado de Santa Klaus na Alemanha, de onde a veneração se espalhou. Sua imagem era, então, a de um velho de barbas brancas em trajes eclesiásticos.

Pois bem, quando eu era criança, em cidade de sertão do Centro-Oeste, quem trazia presente para as crianças era o Menino Jesus. Durante, mas principalmente depois de  terminada a Segunda Guerra Mundial, o vasto mercado do Brasil foi alvo de uma intensa campanha publicitária de empresas norte-americanas, com o intuito de difundir o american way of life e vender mercadorias e serviços. Foi quando a Coca-Cola chegou aqui, primeiro no Rio de Janeiro e, logo, nas mais pequenas cidades. E isso tem a ver com a pergunta acima, e muito.

Na década de 1930, a Coca-Cola, empresa que já era gigante nos EUA, inventou uma figura para Santa Claus, caracterizado como o velhinho de roupa vermelha igual à cor do círculo da marca-símbolo do refrigerante, contribuindo para padronizar a imagem do “bom velhinho”, descartando a imagem clerical do arcebispo turco. O nome, no entanto, permaneceu, com variações diversas, como Papai Noel no Brasil – do francês Père Noël –, que foi traduzido literalmente por Pai Natal em Portugal.

A festividade pagã se transformou, então, em celebração cristã e daí para um evento de caráter mais secular do que religioso. A Coca-Cola continua a incentivar a figura de Santa Claus/Papai Noel como o sorridente velhinho que veste as cores de sua marca. Em 2016, o lema da publicidade do refrigerante foi: “Neste Natal, agradeça com Coca-Cola”, uma redação genérica, capaz de satisfazer todos os gostos, religiosos de quaisquer religiões, agnósticos, ateus e indiferentes. O consumidor do refrigerante, satisfeito com ele e algo mais agradece – a quem ou a que fica seu critério.

E o comércio fatura com a data especial de troca de presentes entre amigos e de pais para filhos, a ponto de o volume de vendas no varejo indicar o estado da atividade econômica. O que dirão os dados do Natal de 2016 no Brasil em recessão?

O Menino Jesus que trazia presentes para as crianças, especialmente para as bem comportadas, mas não só, ficou acuado em alguns lares católicos. Com a passagem de muitas famílias para o lado evangélico, o presépio foi condenado como prática idólatra. Assim, pressionado pelo Papai Noel da Coca-Cola e pela condenação evangélica, pouco sobra para o presépio.

Na Europa do pós-guerra, houve uma reação contra a figura do Papai Noel. As Igrejas Católica e Luterana promoveram, na cidade francesa de Dijon, a queima em praça pública da figura do bom velhinho. Isso foi em 23/12/1951, séculos depois de apagadas as fogueiras da Inquisição. De nada adiantou a tentativa de combater com pelo fogo o paganismo natalino. O Père Noël prosseguiu em seu tour pela França, todos os meses de dezembro, distribuindo presentes e induzindo o consumo de Coca-Cola.

Daí que, termino essa viagem com uma resposta ao soneto do Machado: mudou o Natal, mudei eu e mudou o mundo. Para melhor ou para pior, você me pergunta? Bem, isso não estava no verso machadiano e é assunto para outra crônica. Mas, se você quiser, pode começar a dar sua versão. Contribuo com uma pergunta: “valeu a pena a secularização mercantil do Natal pela globalização da economia e da publicidade? Haveria outro caminho para a secularização dessa festividade?”

Ilustração: efeito visual sobre detalhe de fotografia da queima de Papai Noel em Dijon, 1951.  

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